quarta-feira, 13 de agosto de 2008

3. Os Filósofos Pré-socráticos



Os primeiros filósofos gregos

De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático, isto é, anterior a Sócrates.
O período pré-socrático abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623-546 a.C.) até o aparecimento de Sócrates (468-399 a.C.).
Os pensadores de Mileto: a busca da substância primordial

Quando afirmamos que a filosofia nasceu na Grécia, devemos tornar essa afirmação mais precisa. Afinal, nunca houve, na Antigüidade, um Estado grego unificado. O que chamamos de Grécia nada mais é que o conjunto de muitas cidades-Estado gregas (pólis), independentes umas das outras, e muitas vezes rivais
No vasto mundo grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a designação de filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
Destaca-se, entre os objetivos desses primeiros filósofos, a construção de uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo) que substituísse a antiga cosmogonia (explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos).
Por isso tentaram descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial ou princípio primordial (a arché, em grego) existente em todos os seres materiais. Isto é, pretendiam encontrar a “matéria-prima” de que são feitas todas as coisas.

Tales de Mileto

Tales (623-546 a.C.) costuma ser considerado o primeiro pensador grego, o “pai da Filosofia”. Na condição de filósofo, buscou a construção do pensamento racional em diversos campos do conhecimento que, hoje, não são considerados especialidades filosóficas. Foi astrônomo e chegou a prever o eclipse total do Sol ocorrido em 28 de maio de 585 a.C. Na área da geometria demonstrou, por exemplo, que todos os ângulos inscritos no meio círculo são retos e que em todo triângulo a soma de seus ângulos internos é igual a 180 graus.
Procurando fugir das antigas explicações mitológicas sobre a criação do mundo, Tales queria descobrir um elemento físico que fosse constante em todas as coisas. Algo que fosse o princípio unificador de todos os seres.
Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acrescidas de suas próprias observações da vida animal e vegetal, concluiu que a água é a substância primordial, a origem única de todas as coisas. Para ele, somente a água permanece basicamente a mesma em todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados — sólido, líquido e gasoso.

Anaximandro de Mileto

Anaximandro (610-547 a.C.) procurou aprofundar as concepções de Tales sobre a origem única de todas as coisas. Em meio a tantos elementos observáveis no mundo natural — água, fogo, ar etc —, ele acreditava não ser possível eleger uma única substância material como o prinípio primordial de todos os seres, a arché.
Para Anaximandro, esse princípio é algo que transcende os limites do observável, ou seja, não se situa numa realidade ao alcance dos sentidos. Por isso denominou-a ápeiron, termo grego que significa “o indeterminado”, “o infinito”. O ápeiron seria a “massa geradora” dos seres, contendo em si todos os elementos contrários.

Anaxímenes de Mileto

Anaxímenes (588-524 a.C.) admitia que a origem de todas as coisas é indeterminada. entretanto, recusava-se a atribuir-lhe o caráter oculto de elemento situado fora dos limites da observação e da experiência sensível.
Tentando uma possível conciliação entre as concepções de Tales e as de Anaximandro, concluiu ser o ar o princípio de todas as coisas. Isso porque o ar representa um elemento “invisível e imponderável, quase inobservável, e, no entanto, observável: o ar é a própria vida, a força vital, a divindade que “anima” o mundo, aquilo que dá testemunho à respiração”.

Texto complementar sobre Tales

A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição de que a água é a origem e o seio materno de todas as coisas. Será realmente necessário parar aqui elevar esta idéia a sério? Sim, e por três razões: primeiro, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagens e fabulas; e, finalmente, porque ela contém, embora em estado de crisálida (estado latente, prestes a se transformar), a idéia de que “Tudo é um”. A primeira dessas três razões ainda deixa Tales na comunidade dos homens religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e mostra-o como investigador da natureza, mas, a terceira faz de Tales o primeiro filósofo grego.

F. NIETZSCHE. A Filosofia na Idade Trágica dos Gregos.


Pitágoras de Samos: o culto da matemática

Pitágoras (570-490 a.C.) nasceu na ilha de Samos, na costa jônica, não distante de Mileto. Por volta de 530 a.C., sofreu perseguição política por causa de suas idéias, sendo obrigado a deixar sua terra de origem. Instalou-se, então, em Crotona, sul da Itália, região conhecida como Magna Grécia.
Em Crotona fundou uma poderosa sociedade de caráter filosófico e religioso e de acentuada ligação com as questões políticas. Depois de exercer, por longos anos, considerável influência política na região, a sociedade pitagórica foi dispersada por opositores, e o próprio Pitágoras foi expulso de Crotona.
Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números, os quais representam a ordem e a harmonia. Assim, a essência dos seres, a arché, teria uma estrutura matemática da qual derivariam problemas como: finito e infinito, par e ímpar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc.
Pitágoras dizia que no “fundo de todas as coisas” a diferença entre os seres consiste, essencialmente, em uma questão de números (limite e ordem das coisas).
As contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática (lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da música e da astronomia. A essas contribuições junta-se uma série de crenças místicas relativas à imortalidade da alma, à reencarnação dos pecadores, à prescrição de rígidas condutas morais etc.

Heráclito de Éfeso: o movimento perpétuo

Nascido em Éfeso, cidade da região jônica, Heráclito é considerado um dos mais importantes filósofos pré-socráticos. A data de seu nascimento e a de sua morte não são conhecidas. Há referências históricas de que por volta do ano 500 a.C. estava em plena “flor da idade”.
Heráclito é considerado o primeiro grande representante do pensamento dialético. Concebia a realidade do mundo como algo dinâmico, em permanente transformação. Daí sua escola filosófica ser chamada de mobilista (de movimento). Para ele, a vida era um fluxo constante, impulsionado pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a injustiça, o racional e o irracional, a alegria e a tristeza etc. Assim, afirmava que “a luta é a mãe, rainha e princípio de todas as coisas”. É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui.
Atribuem-se a Heráclito frases marcantes , de sentido simbólico, utilizadas para ilustrar sua concepção sobre o fluxo e a movimentação das coisas, o constante vir-a-ser, a eterna mudança, também chamada devir:

“Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois suas águas se renovam a cada instante. Não tocamos duas vezes o mesmo ser, pois este modifica continuamente sua condição.”

Assim, Heráclito imaginava a realidade dinâmica do mundo sob a forma de fogo, com chamas vivas e eternas, governando o constante movimento dos seres.


Os pensadores eleáticos: Reflexões sobre o ser e o conhecer

As diversas cosmologias que acabamos de estudar despertaram, na época, uma nova questão. Por que tanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?
Heráclito de Éfeso, como vimos, acreditava que a luta dos contrários formava a unidade do mundo. Já para os pensadores da cidade de Eléia, a partir de seu principal expoente, Parmênides, os contrários jamais poderiam coexistir. Os dois pensadores representam, portanto, pólos extremos do pensamento filosófico.

Parmênides de Eléia

Nascido em Eléia, na Magna Grécia, litoral oeste da península itálica, Parmênides (510-470 a.C.) tornou-se célebre por ter feito oposição a Heráclito.
Parmênides defendia a existência de dois caminhos para a compreensão da realidade. O primeiro é o da Filosofia, da razão, da essência. O segundo é o da crendice, da opinião pessoal, da aparência enganosa, que ele considerava a via de Heráclito.
Segundo Parmênides, o caminho da essência nos leva a concluir que na realidade: a) existe o ser, e não e concebível sua não existência; b) o ser é; o não-ser não é.
Ao refletir sobre o ser, pela via da essência, o filósofo eleático concluiu que o ser é eterno, único, imóvel e ilimitado. Essa seria a via da verdade pura, a via a ser buscada pela ciência e pela Filosofia. Por outro lado, quando a realidade é pensada pelo caminho da aparência, tudo se confunde em função do movimento, da pluralidade e do devir (vir-a-ser).
Assim, Parmênides formulou os atributos do ser puramente lógico e negou-se a reconhecer como verdadeiros os testemunhos ilusórios dos sentidos. Mas como explicar então o movimento e a diferença? Parmênides afirmava que o ser é único, imutável etc, mas manifesta-se para nós de vários modos. O esforço de toda sabedoria é, pois, para Parmênides, sistematizar e tornar pensável o caos que nos aparece, ou seja, colocar pelo pensamento uma ordem no caos.

Zenão de Eléia

Discípulo de Parmênides, Zenão de Eléia (488-430 a.C.) elaborou argumentos para defender as idéias de seu mestre. Com eles pretendia demonstrar que a própria noção de movimento era inviável e contraditória.
Desses argumentos, talvez, o mais célebre seja o paradoxo de Zenão, que se refere à corrida de Aquiles contra uma tartaruga. Dizia Zenão:
a) Se, na corrida, a tartaruga saísse à frente de Aquiles, para alcançá-la, ele precisaria percorrer uma distância superior à metade da distância inicial que os separava no começo da competição.
b) Entretanto, como a tartaruga continuaria se locomovendo, essa distância, por menor que fosse, teria se ampliado. Aquiles deveria percorrer, então, mais da metade dessa nova distância.
c) A tartaruga continuaria se movendo, e a tarefa de Aquiles se repetiria ao infinito, pois o espaço pode ser divido em infinitos pontos.
Na observação que fazemos do mundo, através dos nossos sentidos, é evidente que os argumentos de Zenão não correspondem à realidade. Entretanto, esses argumentos demonstram as dificuldades pelas quais passou o pensamento racional para compreender conceitos como movimento, espaço, tempo e infinito.

Empédocles de Agrigento: a unidade de tudo aquilo que se ama

Nascido em Agrigento, sul da Sicília, Empédocles (490-430 a.C.) esforçou-se para conciliar as concepções de Parmênides e Heráclito. Aceitava de Parmênides a racionalidade que afirma a existência e permanência do ser (o ser é), mas procurava encontrar uma maneira de tornar racional os dados captados por nossos sentidos.
Defendia a existência de quatro elementos primordiais, que constituem as raízes de todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos são movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
· amor (philia, em grego) — responsável pela força de atração e união e pelo movimento de crescente harmonização das coisas;
· ódio (neikos, em grego) — responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.
Para ele, todas as coisas existentes na realidade estão submetidas às forças cíclicas desses dois princípios.

Demócrito de Abdera: o átomo e a diversidade

Nascido em Abdera, cidade situada no litoral entre a Macedônia e a Trácia, Demócrito (460-370 a.C.) foi discípulo de Leucipo (fundador da escola atomista) e um pensador brilhante. Só a tradição impõe o título de pré-socrático a este pensador importante, nascido e morto depois de Sócrates.
Responsável pelo desenvolvimento do atomismo, Demócrito afirmava que todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas forma chamadas átomos, termo grego que significa “não-divisível” (a = negação; tomo = divisível).
Para ele, o átomo seria o equivalente ao “conceito de ser” em Parmênides. Além dos átomos existiria no mundo real o vácuo, que representaria a ausência de ser ( o não ser). Devido à existência do vácuo, o movimento do ser torna-se possível. O movimento dos átomos permite infinita diversidade de composições. Demócrito distinguia três fatores básicos para explicar as diferentes composições dos átomos:
· figura — a forma geométrica de cada átomo;
· ordem — a seqüência espacial dos átomos de mesma figura;
· posição — a localização espacial dos átomos.
Para Demócrito, é o acaso ou a necessidade que promove a aglomeração de certos átomos e a repulsão de outros. O acaso é o encadeamento imprevisível de causas. A necessidade é o encadeamento previsível e determinado entre causas. As infinitas possibilidades de aglomeração dos átomos explicam a infinita variedade de coisas existentes.
A principal contribuição trazida pelo atomismo de Demócrito à história do pensamento é a concepção mecanicista, segundo a qual “tudo o que existe no universo nasce do acaso ou da necessidade”. Isto é, “nada nasce do nada, nada retorna ao nada”. Tudo tem uma causa. E os átomos são a causa última do mundo.




Questões:


1. Por que os primeiros filósofos são chamados de pré-socráticos?
2. O que os filósofos de Mileto tentaram descobrir?
3. Que conclusão chegou Tales acerca do princípio substancial?
4. E quanto a Anaximandro, o que ele supunha que seria o princípio substancial?
5. Como Anaxímenes achou possível conciliar as idéias de Tales e Anaximandro?
6. Reflita: Por que a idéia de que “Tudo é Um” faz de Tales o primeiro filósofo?
7. Segundo Pitágoras o que diferencia todas as coisas?
8. O que significa pensamento dialético?
9. Qual era para Heráclito o princípio de todas as coisas?
10. Por que Heráclito afirmava que não podemos entrar num rio duas vezes?
11. Qual elemento da Natureza Heráclito acreditava ser o elemento primordial?
12. Quais as características do ser para Parmênides?
13. Se Parmênides se recusava a aceitar como verdadeiros os testemunhos dos sentidos, o que ele considerava com a verdade pura?
14. Como explicava Parmênides o movimento e a pluralidade da vida?
15. Descreva brevemente o paradoxo de Zenão.
16. Quais os quatro elementos que Empedocles pensava serem os elementos primordiais?
17. Que princípios os colocavam em movimento?
18. Como era formada a realidade para Demócrito?
19. Como Demócrito explicava que na Natureza as coisas possuem características tão diferentes?
20. O que significa a concepção mecanicista atribuída a Demócrito?

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