quarta-feira, 13 de agosto de 2008

1. Para que Filosofia?

“Filosofar é reaprender a ver o mundo”
Maurice Merleau-Ponty

Nossas crenças costumeiras — as evidências do cotidiano

Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas, situações. Fazemos perguntas como “que horas são?”, ou “que dia é hoje?”. Dizemos frases como “ele está sonhando”, ou “ela ficou maluca”. Avaliamos coisas e pessoas, dizendo, por exemplo, “esta casa é mais bonita do que a outra” e “Maria está mais jovem do que Glorinha”.
Vejamos um pouco mais de perto o que dizemos em nosso cotidiano.
Quando pergunto “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, minha expectativa é a de que alguém, tendo um relógio ou um calendário, me dê a resposta exata. Em que acredito quando faço a pergunta e aceito a resposta? Acredito que o tempo existe, que ele passa, pode ser medido em horas e dias, que o que já passou é diferente de agora e o que virá há de ser diferente deste momento, que o passado pode ser lembrado ou esquecido, e o futuro, desejado ou temido. Assim, uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós.
Quando digo “ele está sonhando”, referindo-me a alguém que diz ou pensa alguma coisa que julgo impossível ou improvável, tenho igualmente muitas crenças silenciosas: acredito que sonhar é diferente de estar acordado, que, no sonho, o impossível e o improvável se apresentam como possível e provável, e também que o sonho se relaciona com o irreal, enquanto a vigília se relaciona com o que existe realmente.
Acredito, portanto, que a realidade existe fora de mim, posso percebê-la e conhecê-la tal como é, sei diferenciar realidade de ilusão.
A frase “ela ficou maluca” contém essas mesmas crenças e mais uma: a de que sabemos diferenciar razão de loucura e maluca é a pessoa que inventa uma realidade existente só para ela. Assim, ao acreditar que sei distinguir razão de loucura, acredito também que a razão se refere a uma realidade que é a mesma para todos, ainda que não gostemos das mesmas coisas.
Quando avaliamos que uma casa é mais bonita do que outra, ou que Maria está mais jovem do que Glorinha, acreditamos que as coisas, as pessoas, as situações, os fatos podem ser comparados e avaliados, julgados pela qualidade (bonito, feio, bom, ruim) ou pela quantidade (mais, menos, maior, menor). Julgamos assim que a qualidade e a quantidade existem, que podemos conhecê-las e usá-las em nossa vida.
Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças silenciosas, da aceitação tácita[1] de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no espaço, no tempo, na realidade, na quantidade, na qualidade, na verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira.

E se não for bem assim?

Porém, há momentos em que nossas crenças mais óbvias são contrariadas.
Vemos que o Sol nasce a leste e se Põe a oeste; que sua presença é o dia e sua ausência é a noite. Nossos olhos nos fazem acreditar que o Sol se move à volta da Terra e que esta permanece imóvel. Quando, durante muitas noites seguidas, acompanhamos a posição das estrelas no céu, vemos que elas mudam de lugar e acreditamos que se movem à nossa volta, enquanto a Terra permanece na imobilidade.
No entanto, a astronomia demonstra que não é isso que acontece. A Terra é um planeta num sistema cuja estrela central se chama Sol, ou seja, a Terra é um planeta do sistema solar, e ela, juntamente com outros planetas, é que se move à volta do Sol, num movimento de translação.
Além desse movimento, ela realiza um outro, o de rotação em torno de seu eixo invisível. O movimento de translação explica a existência do ano, e o de rotação explica a existência do dia e da noite. Assim, há uma contradição entre nossa crença na imobilidade da Terra e a informação astronômica sobre os movimentos terrestres.
Esses conflitos entre várias de nossas crenças e um saber estabelecido indicam a principal circunstância em que somos levados a mudar de atitude. Quando uma crença contradiz outra ou parece incompatível com outra, ou quando aquilo em que sempre acreditamos é contrariado por outra forma de conhecimento, entramos em crise.
Nesses momentos de crise, algumas pessoas se esforçam para fazer de conta que não há nenhum problema e vão levando a vida como se tudo estivesse “muito bem, obrigado”. Outras, porém, são impelidas a indagar qual é a origem, o sentido e a realidade de nossas crenças costumeiras.

A atitude filosófica

Imaginemos, então, agora, alguém que tomasse uma decisão muito estranha e começasse a fazer perguntas inesperadas. Em vez de perguntar “que horas são?” ou “que dia é hoje?”, perguntasse: O que é o tempo? Em vez de dizer “está sonhado” ou “ficou maluca”, quisesse saber: O que é o sonho? A loucura? A razão?
Se essa pessoa fosse substituindo sucessivamente suas perguntas e afirmações por outras. Ao invés de “esta casa é mais bonita do que aquela” e “Maria está mais jovem do que Glorinha” perguntasse o que é o belo? O que é a juventude? O que é mais e o que é menos? O que é a quantidade? O que é a qualidade? Ao invés de afirmar que gosta de alguém porque tem os mesmos valores, gostos, preferências, preferisse analisar o que é um valor, o que é moral, o que é vontade, o que é arte, o que é liberdade, o que é o amor, o que são os sentimentos, o que são os pensamentos.
Alguém que tomasse essa decisão estaria tomando distância da vida cotidiana e de si mesmo, teria passado a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam, silenciosamente, nossa existência.
Ao tomar essa distância, estaria interrogando a si mesmo, desejando conhecer por que cremos no que cremos, por que sentimos o que sentimos e o que são nossas crenças ou sentimentos. Esse alguém estaria começando a adotar o que chamamos de atitude filosófica.
Assim, uma primeira resposta à pergunta “O que é a Filosofia?” poderia ser: a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.
Perguntaram certa vez a um filósofo: “Para que filosofia?”. E ele respondeu: “Para não darmos nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações”.

Questões:

1) Por que Chauí afirma que nossas afirmações contêm silenciosamente várias crenças?
2) O que são as nossas crenças costumeiras?
3) Em que momento passamos da atitude costumeira à atitude filosófica?
4) O que é a atitude filosófica?
5) O que é a Filosofia?
6) Para que Filosofia?
7) Comente a frase da epígrafe: “Filosofar é reaprender a ver o mundo”.

[1] adj. 1 não formalmente expresso 1.1 não traduzido por palavras; silencioso, calado 1.2 que não é preciso dizer por estar implícito ou subentendido 2 p.us. onde não há som, ruído, rumor; sossegado, tranqüilo 3 que não se revela; recôndito, secreto, oculto

2 comentários:

Yuri disse...

Aee vlw ajudou mt num trabalho de filosofia vlw!!

M@TEU$ R@MO$ disse...

VALEU A AJUDA DE FILOSOFIA NOME: MATEUS RAMOS N°27 1°D EE PROF EUGENIA VILHENA DE MORAIS