quarta-feira, 13 de agosto de 2008

4. Sócrates e os Sofistas

Com o desenvolvimento das cidades, do comércio, do artesanato e das artes militares, Atenas tornou-se o centro da vida social, política e cultural da Grécia, vivendo seu período de esplendor, conhecido como o Século de Péricles.
É a época de maior florescimento da democracia. A democracia grega possuía, entre outras, duas características de grande importância para o futuro da Filosofia.
Em primeiro lugar, a democracia afirmava a igualdade de todos os homens adultos perante as leis e o direito de todos de participar diretamente do governo da cidade, da polis.
Em segundo lugar, e como conseqüência, a democracia, sendo direta e não por eleição de representantes, garantia a todos a participação no governo, e os que dele participavam tinham o direito de exprimir, discutir e defender em público suas opiniões sobre as decisões que a cidade deveria tomar. Surgia, assim, a figura política do cidadão. (Nota: Devemos observar que estavam excluídos da cidadania o que os gregos chamavam de dependentes: mulheres, escravos, crianças e velhos. Também estavam excluídos os estrangeiros.)
Ora, para conseguir que a sua opinião fosse aceita nas assembléias, o cidadão precisava saber falar e ser capaz de persuadir. Com isso, uma mudança profunda vai ocorrer na educação grega.
Antes da instituição da democracia, as cidades era dominadas pelas famílias aristocráticas, senhoras das terras e do poder militar. Essas famílias, valendo-se dos dois grandes poetas gregos, Homero e Hesíodo, criaram um padrão de educação, próprio dos aristocratas. Esse padrão afirmava que o homem ideal ou perfeito era o guerreiro belo e bom. Belo: seu corpo era formado pela ginástica, pela dança e pelos jogos de guerra, imitando os heróis da guerra de Tróia (Aquiles, Heitor, Ájax, Ulisses). Bom: seu espírito era formado escutando Homero e Hesíodo, aprendendo as virtudes admiradas pelos deuses e praticadas pelos heróis, a principal delas sendo a coragem diante da morte, na guerra. A virtude era a Areté (excelência e superioridade), própria dos melhores, os aristói.

Os sofistas

Quando a economia agrária foi sendo suplantada pelo artesanato e pelo comércio, surgiu nas cidades (particularmente em Atenas) uma classe social urbana rica que desejava exercer o poder político, até então privilégio da classe aristocrática. É para responder aos anseios dessa nova classe social que a democracia será instituída. Com ela, o poder vai sendo retirado dos aristocratas e passado aos cidadãos. Dessa maneira o antigo ideal educativo ou pedagógico também vai sendo substituído por outro. O ideal da educação do Século de Péricles já não é a formação do jovem guerreiro, belo e bom, e sim a formação do cidadão.
Ora, qual é o momento em que o cidadão mais aparece e mais exerce sua cidadania? Quando opina, discute, delibera e vota nas assembléias. Assim, a nova educação estabelece como padrão ideal a formação do bom orador, isto é, aquele que saiba falar em público e persuadir os outros na política.

“Não acreditamos que os discursos entravem a ação; o que nos parece prejudicial é não nos esclarecermos primeiro através do discurso sobre o que é preciso fazer” Péricles.

Para dar aos jovens essa educação, substituindo a educação antiga dos poetas, surgiram, na Grécia, os sofistas, que são os primeiros filósofos do período socrático. Os sofistas mais importantes foram: Protágoras de Abdera (481-411 a.C.), Górgias de Leontini (485-380 a.C.) e Isócrates de Atenas (436-338 a.C.).
Que diziam e faziam os sofistas? Diziam que os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam repletos de erros e contradições e que não tinham utilidade para a vida da polis. Apresentavam-se como mestres de oratória ou de retórica, afirmando ser possível ensinar aos jovens tal arte para que fossem bons cidadãos.
Que arte era esta? A arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão para os jovens, que aprendiam a defender a posição ou opinião A, depois a posição ou opinião contrária, não-A, de modo que, numa assembléia, soubessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão.
Como viajaram muito e conheceram muitas lugares e culturas diferentes, viram que cada povo tinha uma concepção muito diferente e até contrária sobre a realidade. Concluíram daí que não existia uma verdade única, absoluta, mas que a verdade é definida pelo homem, variando portanto de indivíduo para indivíduo, de povo a povo, dependendo das circunstâncias históricas e sociais a que os homens estão submetidos. Chamamos a isso relativismo.

Alguns pensamentos dos sofistas

“O homem é a medida de todas as coisas” Protágoras.
“O bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa” Górgias.
“O ser não existe; ainda que existisse não se poderia conhecê-lo; ainda que o ser fosse conhecido, seu conhecimento seria incomunicável pela linguagem" Górgias.


Sócrates contra os sofistas

O filósofo Sócrates, rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer idéia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade.
Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da sociedade grega, e, por outro lado, os filósofos cosmologistas defendiam idéias tão contrárias entre si que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro. (Nota: Historicamente, há dificuldade para conhecer o pensamento dos grandes sofistas porque não possuímos seus textos. Restaram fragmentos apenas. Por isso, nós os conhecemos pelo que deles disseram seus adversários - Platão, Xenofonte, Aristóteles - e não temos como saber se estes foram justos com aqueles. Os historiadores mais recentes consideram os sofistas verdadeiros representantes do espírito democrático, isto é, da pluralidade conflituosa de opiniões e interesses, enquanto seus adversários seriam partidários de uma política aristocrática, na qual somente algumas opiniões e interesses teriam o direito para valer para o restante da sociedade.)
Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates?
Propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo” que estava gravada no pórtico do templo de Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates.
Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros, é que se diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem, particularmente de seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade.
O retrato que a história da Filosofia possui de Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão.
Que retrato Platão nos deixa de seu mestre, Sócrates?
O de um homem que andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo mercado e pela assembléia indagando a cada um: “Você sabe o que é isso que você está dizendo?”, “Você sabe o que é isso em que você acredita?”, “Você acha que está conhecendo realmente aquilo em que acredita, aquilo em que está pensando, aquilo que está dizendo?”, “Você diz”, falava Sócrates, “que a coragem é importante, mas: o que é a coragem? Você acredita que a justiça é importante, mas: o que é a justiça? Você diz que ama as coisas e as pessoas belas, mas o que é a beleza? Você crê que seus amigos são a melhor coisa que você tem, mas: o que é a amizade?”
Sócrates fazia perguntas sobre as idéias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre “o que é?”, descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas idéias.
Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como os sofistas pareciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia: “Eu também não sei, por isso estou perguntando”. Donde a famosa expressão atribuída a ele: “Só sei que nada sei”.
A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a definição daquilo que uma coisa, uma idéia, um valor é verdadeiramente. Procurava a essência verdadeira da coisa, da idéia, do valor. Procurava o conceito e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das idéias e dos valores.
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutável, depende de cada um, de seus gostos e preferências. O conceito, ao contrário, é uma verdade intemporal, universal e necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal, intemporal e necessária de alguma coisa.
Por isso, Sócrates não perguntava se tal ou qual coisa era bela — pois nossa opinião sobre ela pode variar — e sim: O que é a beleza? Qual é a essência ou o conceito do belo? Do justo? Do amor? Da amizade?
Sócrates perguntava: Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e para pensar o que pensa? Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa?
Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a idéias, valores, práticas e comportamentos que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a polis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto.
Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembléia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno — a cicuta — e obrigado a suicidar-se.
Por que Sócrates não se defendeu? “Porque”, dizia ele, “se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à Filosofia”.
O julgamento e a morte de Sócrates são narrados por Platão numa obra intitulada Apologia de Sócrates, isto é, a defesa de Sócrates, feita por seus discípulos, contra Atenas. Aliás, Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles.
Vejamos alguns fragmentos de sua defesa ante o tribunal de Atenas. Sócrates foi levado ao tribunal por seus concidadãos e condenado à morte acusado de “pesquisar indiscretamente o que há sob a terra e nos céus, de fazer que prevaleça a razão mais fraca e de ensinar aos outros o mesmo comportamento”. Foi acusado também de “corromper a juventude e de não crer nos deuses em que o povo crê e sim em outras divindades novas”.O filósofo afirma que as acusações são mentiras devidas a uma má reputação que ele adquiriu perante os moradores da cidade por causa do seu modo de agir, cujas motivações tenta explicar:

Texto - Apologia de Sócrates

Um de vós poderia intervir: "Afinal, Sócrates, qual é a tua ocupação? Donde procedem as calúnias a teu respeito? Naturalmente, se não tivesses uma ocupação muito fora do comum, não haveria esse falatório, a menos que praticasses alguma extravagância. Dize-nos, pois, qual é ela, para que não façamos nós um juízo precipitado." Teria razão quem assim falasse; tentarei explicar-vos a procedência dessa reputação caluniosa. Ouvi, pois. Alguns de vós achareis, talvez, que estou gracejando, mas não tenhais dúvida: eu vos contarei toda a verdade. Pois eu, Atenienses, devo essa reputação exclusivamente a uma ciência. Qual vem a ser a ciência? A que é, talvez, a ciência humana. É provável que eu a possua realmente. [...] Para testemunhar a minha ciência, se é uma ciência, e qual é ela, vos trarei o deus de Delfos (em Delfos havia um templo, onde o deus Apolo dava oráculos, predizendo o futuro). Conhecestes Querefonte, decerto. Era meu amigo de infância e também amigo do partido do povo e seu companheiro naquele exílio (A alusão é ao exílio sofrido pelos partidários da democracia, no ano 404 a.C., quando se instalou em Atenas a tirania dos Trinta) de que voltou conosco. Sabeis o temperamento de Querefonte, quão tenaz [era] nos seus empreendimentos. Ora, certa vez, indo a Delfos, arriscou esta consulta ao oráculo [...] — ele perguntou se havia alguém mais sábio que eu; respondeu a Pítia (assim se chamava a sacerdotisa do templo de Delfos, que formulava os oráculos) que não havia ninguém mais sábio. Para testemunhar isso, tendes aí o irmão dele, porque ele já morreu. Examinai por que vos conto eu esse fato; é para explicar a procedência da calúnia. Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: "Que quererá dizer o deus? Que sentido oculto pôs na resposta? Eu cá não tenho consciência de ser nem muito sábio nem pouco; que quererá ele, então, significar declarando-me o mais sábio? Naturalmente, não está mentindo, porque isso lhe é impossível." Por longo tempo fiquei nessa incerteza sobre o sentido; por fim, muito contra meu gosto, decidi-me por uma investigação, que passo a expor. Fui ter com um dos que passam por sábios, porquanto, se havia lugar, era ali que, para rebater o oráculo, mostraria ao deus: "Eis aqui um mais sábio que eu, quando tu disseste que eu o era!" Submeti a exame essa pessoa — é escusado dizer o seu nome; era um dos políticos. Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e da conversa que tive com ele; achei que ele passava por sábio aos olhos de muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não o era. Meti-me, então, a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não o era. A conseqüência foi tornar-me odiado dele e de muitos dos circunstantes. Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: "Mais sábio do que esse homem eu sou; é bem provável que nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha mais sábio que ele exatamente em não supor que saiba o que não sei." Daí fui ter com outro, um dos que passam por ainda mais sábios e tive a mesmíssima impressão; também ali me tornei odiado dele e de muitos outros. Depois disso, não parei, embora sentisse, com mágoa e apreensões, que me ia tornando odiado; não obstante, parecia-me imperioso dar a máxima importância ao serviço do deus. Cumpria-me, portanto, para averiguar o sentido do oráculo, ir ter com todos os que passavam por senhores de algum saber. Pelo Cão, Atenienses! Já que vos devo a verdade, juro que se deu comigo mais ou menos isto: investigando de acordo com o deus, achei que aos mais reputados pouco faltava para serem os mais desprovidos, enquanto outros, tidos como inferiores, eram os que mais visos tinham de ser homens de senso. [...] O provável, senhores, é que, na realidade, o sábio seja o deus e queira dizer, no seu oráculo, que pouco valor ou nenhum tem a sabedoria humana; evidentemente se terá servido deste nome de Sócrates para me dar como exemplo, como se dissesse: "0 mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor." Por isso não parei essa investigação até hoje, vagueando e interrogando, de acordo com o deus, a quem, seja cidadão, seja forasteiro, eu tiver na conta de sábio, e, quando julgar que não o é, coopero com o deus, provando-lhe que não é sábio. Essa ocupação não me permitiu lazeres para qualquer atividade digna de menção nos negócios públicos nem nos particulares; vivo numa pobreza extrema, por estar ao serviço do deus. Além disso, os moços que espontaneamente me acompanham — e são os que dispõem de mais tempo, os das famílias mais ricas — sentem prazer em ouvir o exame dos homens; eles próprios imitam me muitas vezes; nessas ocasiões, metem-se a interrogar os outros; suponho que descobrem uma multidão de pessoas que supõem saber alguma coisa, mas pouco sabem, quiçá nada. Em conseqüência, os que eles examinam se exasperam contra mim e não contra si mesmos, e propalam que existe um tal Sócrates, um grande miserável, que corrompe a mocidade [...].
[...]
Alguém, talvez, pergunte: "Não te pejas, ó Sócrates, de te haveres dedicado a uma ocupação que te põe agora em risco de morrer?" Eu lhe daria esta resposta justa: "Estás enganado, homem, se pensas que um varão de algum préstimo deve pesar as possibilidades de vida e morte em vez de considerar apenas este aspecto de seus atos: se o que faz é justo ou injusto, de homem de brio ou de covarde. No teu entender, não teriam méritos os semideuses que pereceram em Tróia; entre eles o filho de Tétis, que desdenhava tanto o perigo em confronto com o passar por uma vergonha. Querendo ele matar a Heitor, sua mãe, uma deusa, lhe disse parece que mais ou menos estas palavras: "Filho, se matares a Heitor para vingar a morte de teu amigo Pátroclo, tu próprio morrerás, pois, dizia ela, o teu destino te espera logo depois de Heitor." Ele, apesar de ouvir a advertência, fez pouco caso do perigo de morte e, porque temia muito mais viver com desonra, respondeu: "Morra eu assim que castigue o culpado, mas não fique por aqui, alvo de risos junto das curvas naus, como um fardo da terra." Cuidas que ele se preocupou com o perigo de morte? [...] mesmo que, apesar disso, me dissésseis: "Sócrates, por ora não atenderemos a Ânito (um dos acusadores) e te deixamos ir, mas com a condição de abandonares essa investigação e a filosofia; se fores apanhado de novo nessa prática, morrerás"; mesmo, repito, que me dispensásseis com essa condição, eu vos responderia: "Atenienses, eu vos sou reconhecido e vos quero bem, mas obedecerei antes ao deus que a vós; enquanto tiver alento e puder fazê-lo, jamais deixarei de filosofar, de vos dirigir exortações, de ministrar ensinamentos em toda ocasião àquele de vós que eu deparar, dizendo-lhe o que costumo: "Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais importante e mais reputada por sua cultura e poderio, não te pejas de cuidares de adquirir o máximo de riquezas, fama e honrarias, e de não te importares nem cogitares da razão, da verdade e de melhorar quanto mais a tua alma?" E se algum de vós redargüir que se importa, não me irei embora deixando-o, mas o hei de interrogar, examinar e confundir e, se me parecer que afirma ter adquirido a virtude e não a adquiriu, hei de repreendê-lo por estimar menos o que vale mais e mais o que vale menos. É o que hei de fazer a quem eu encontrar, moço ou velho, forasteiro ou cidadão, principalmente aos cidadãos, porque me estais mais próximos no sangue. Tais são as ordens que o deus me deu, ficai certos. [...] Se com esses discursos corrompo a mocidade, seriam nocivos esses preceitos; se alguém afirmar que digo outras coisas e não essas, mente. Por tudo isso, Atenienses, diria eu, quer atendais a Ânito, quer não, quer me dispenseis, quer não, não hei de fazer outra coisa, ainda que tenha de morrer muitas vezes.
[...]
Pode alguém perguntar: "Mas não serás capaz, ó Sócrates, de nos deixar e viver calado e quieto?" De nada eu convenceria alguns dentre vós mais dificilmente do que disso. Se vos disser que assim desobedeceria ao deus e, por isso, impossível é a vida quieta, não me dareis fé, pensando que é ironia; doutro lado, se vos disser que para o homem nenhum bem supera o discorrer cada dia sobre a virtude e outros temas de que me ouvistes praticar quando examinava a mim mesmo e a outros, e que vida sem exame não é vida digna de um ser humano, acreditareis ainda menos em minhas palavras. Digo a pura verdade, senhores, mas convencer-vos dela não me é fácil.
Platão. Apologia de Sócrates.


O método de Sócrates: ironia e maiêutica

Como vimos, Sócrates recusa-se a responder às perguntas que faz aos outros pois que nada sabe. Mas ele se diz capaz de ajudar os outros a respondê-las. Assim, o método de investigação de Sócrates compõe-se em dois momentos, um negativo e outro positivo, denominados ironia e maiêutica. No primeiro momento Sócrates tem a intenção de destruir as concepções de seus interlocutores, mostrando para eles que se consideravam sábios mas não eram. Esse momento chama-se ironia pois em grego ironia significa perguntar. Sócrates era muito habilidoso com as palavras e conseguia fazer com que seu interlocutor se contradissesse. Ele pergunta, por exemplo, “o que é a Justiça?”. Quando seu companheiro lhe dava uma resposta ele começava uma série de questões objetivando entender o que significa o que o autor da afirmação estava dizendo. Com isso ele o levava aos poucos a se contradizer, ou seja, a afirmar o contrário daquilo que tinha afirmado anteriormente. A reação da pessoa variava: uns sentiam ódio, outros admiração. Mas quando pediam para Sócrates responder ele dizia que não sabia dar uma resposta. Uma vez admitida a ignorância poderia começar o segundo momento: a maiêutica socrática. Maiêutica significa parto. A mãe de Sócrates era parteira e ele dizia que também era parteiro. Só que ao invés de parir corpos ele paria idéias. Mas ele mesmo era estéril, não conseguia conceber nenhuma idéia, mas poderia ajudar os outros a retirarem de dentro de si idéias verdadeiras.
Texto - um exemplo da ironia socrática

Trasímaco — Ouve, então. Eu digo que a justiça é simplesmente o interesse do mais forte. Então, que esperas para me aplaudir? Vais te recusar!
Sócrates — Em primeiro lugar, deixa que eu compreenda o que dizes, pois ainda não entendi. Pretendes que a justiça é o interesse do mais forte. Mas como entendes isso, Trasímaco? Com efeito, não pode ser da seguinte maneira: “Se Polidamas (vencedor dos jogos olímpicos de 408 a.C.) é mais forte do que nós e a carne de boi é melhor para conservar suas forças, não dizes que, também para nós, mais fracos do que ele, esse alimento é vantajoso e ao mesmo tempo justo?”
Trasímaco — És um cínico, Sócrates. Tomas as minhas palavras por onde podes atacá-las melhor!
Sócrates — De forma alguma, nobre homem. Mas exprime-te mais claramente.
Trasímaco — De acordo! Tu sabes que , entre as cidades, umas são tirânicas, outras democráticas, outras aristocráticas.
Sócrates — Logicamente que sei.
Trasímaco — Portanto, o setor mais forte, em cada cidade, é o governo?
Sócrates — Sim.
Trasímaco — E cada governo faz as leis para seu próprio proveito: a democracia, leis democráticas, a tirania, leis tirânicas, e as outras a mesma coisa; estabelecidas as leis, declaram justo, para os governados, o seu próprio interesse, e castigam quem as transgride como violador da lei, culpando-o de injustiça. Em todas as cidades o justo é a mesma coisa, isto é, o que é o mais vantajoso para o governo constituído; ora, este é o mais forte, de onde se segue, para um homem de bom raciocínio, que em todos os lugares o justo é a mesma coisa: o interesse do mais forte.
Sócrates — Agora compreendo o que dizes. Procurarei analisá-lo.
Trasímaco — Analisa-o.
Sócrates — Assim farei. Agora diz-me: não julgas ser justo obedecer aos governantes?
Trasímaco — Julgo.
Sócrates — Mas os governantes são sempre infalíveis ou passíveis de se enganarem?
Trasímaco — É evidente que são passíveis de se enganarem.
Sócrates — Logo, quando elaboram as leis, fazem leis boas e leis más?
Trasímaco — É assim que penso.
Sócrates — As boas leis são aquelas que instituem o que lhes é vantajoso e as más o que lhes é desvantajoso?
Trasímaco — Sim.
Sócrates — Mas o que eles instituíram deve ser obedecido pelos governados; é nisto que consiste a justiça?
Trasímaco — Com certeza.
Sócrates — Logo, na tua opinião, não é apenas justo fazer o que é mais vantajoso para o mais forte, mas também o contrário, o que é desvantajoso.
Trasímaco — Que estás dizendo!?
Sócrates —O que tu mesmo dizes, penso; mas examinaremos melhor. Não concordamos que, às vezes, os governantes se enganam quanto ao que é o melhor, impondo tais leis aos governados? E que, por outro lado, é justo que os governados obedeçam ao que lhes ordenam os governantes? Não concordamos?
Trasímaco — Sim
Sócrates — Então, acreditas também que é justo fazer o que é desvantajoso para os governantes e para os mais fortes, quando os governantes dão ordens que lhes são prejudiciais, porquanto tu afirmas ser justo que os governados façam o que ordenam os governantes. Portanto, sábio amigo Trasímaco, não decorre necessariamente que é justo fazer o contrário daquilo que dizes? Com efeito, ordena-se ao mais fraco que faça o que é prejudicial ao mais forte.
Platão, A República.


O pai da Ética

Sócrates é considerado também o pai da Ética. Na Filosofia, Ética é a disciplina que estuda o agir humano. Como vimos, Sócrates, como os sofistas, achava que o ser humano não pode conhecer o cosmos, como pretendiam os filósofos que o antecederam. Já os sofistas usavam seu conhecimento para convencer os outros de qualquer idéia que fosse proveitosa para si mesmos. Mas Sócrates usava a reflexão filosófica para tentar melhorar a si mesmo e aos seus concidadãos.

"Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais importante e mais reputada por sua cultura e poderio, não te pejas de cuidares de adquirir o máximo de riquezas, fama e honrarias, e de não te importares nem cogitares da razão, da verdade e de melhorar quanto mais a tua alma?" Sócrates.

Como vemos na frase acima, Sócrates ia a cada um dos moradores de Atenas e questionava se sua maneira de agir era condizente com suas palavras. Se era justo ou injusto, bom ou mau, corajoso ou covarde etc.

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